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Arquitetura do Pós-Guerra: Simbolismo em Ribeirão Preto

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         Terminada a 2ª Grande Guerra, era de crivo mundial que as coisas dificilmente voltariam a ser as mesmas, principalmente na Arquitetura.
         A máquina, que antes havia gerado o desenvolvimento e colocara o mundo nos trilhos de um trem de constantes evoluções, que hipnotizara os futuristas italianos, havia causado a morte de milhões de pessoas, destruindo dezenas de cidades e inaugurado o sentimento de apocalipse eminente, o pessimismo, o processo autodestrutivo do ser humano, capaz de aniquilar todo o planeta diversas vezes, com uma única bomba, apertando um único botão.
         Como confiar novamente na máquina? Como a suposta “perfeição” e “universalização” da máquina poderiam ainda ser usados como exemplos?
Os preceitos do Movimento Moderno, emblematizados pela idéia da “Máquina de Morar” de Le Corbusier, soavam ainda mais utópicos depois desses eventos. Movimentos nacionalistas haviam varrido a Europa de chances de uma universalização dos modos de vida.
         A questão já havia sido lançada por Sert com o texto “Can our cities survive?”. O Centro Cívico, a idéia de que o homem precisa se sentir humano em um espaço, reconhecer sua escala, e de que para isso, o tempo e as raízes de um lugar teriam de ser consideradas, acabou por criar uma gigantesca controvérsia no que vinha sido discutido até então nos CIAMs.
         Os Conselhos Internacionais de Arquitetura Moderna, haviam também sido interrompidos pela 2ª Guerra Mundial, tendo inclusive uma de suas reuniões mais importantes, onde se discutiu sobre o Urbanismo, num navio, em mar aberto, ironicamente longe de qualquer cidade.
         O tempo e o lugar no espaço urbano, elementos que se fazem reconhecer, que dão identidade a um lugar, que leva em consideração suas raízes, idéias até então legadas a segundo plano na Arquitetura Moderna, agora são trazidas de volta. Num primeiro momento influenciadas talvez pelos movimentos nacionalistas, num segundo momento pelo Centro Cívico de Sert, e num derradeiro e terceiro momento pelo texto “9 Pontos sobre Monumentalidade”, também de autoria do catalão.
         Isso abriu uma grande discussão, que acabou por marcar em determinado momento, o fim dos CIAMs. É nesse contexto que a Arquitetura Moderna chega à década de 1960, defendida ainda por alguns, criticada pela população das cidades, pesquisadores e imprensa em geral.


O Plan Voisin de Le Corbusier. Medida radical de intervenção da Arquitetura Moderna.

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O “tecido urbano” de muitas cidades européias havia sido destruído pelos bombardeios da 2ª Guerra Mundial. Muitas medidas de revitalização são tomadas, para recuperar essas áreas em ruínas, e também os bairros mais pobres e decadentes.
         Esses planos e projetos desenvolvidos para esses lugares, adotavam os novos preceitos de urbanismo discutidos nos CIAMs e na Carta de Atenas de Le Corbusier. As medidas eram muitas vezes, radicais, como as chamadas “táticas do Bulldozer” e “gueto removal” (destruía-se tudo, e expulsava-se toda a população que morava naquela área degradada). Mas e áreas com importantes edifícios históricos para a cidade? E como ficam as pessoas que antes lá moravam?
         Em países como os EUA, muitas dessas medidas iriam ser aplicadas nos próprios centros urbanos, esvaziados pelo movimento pendular de seus ocupantes (cheios durante o dia, vazios à noite e finais de semana) e influência das promessas de bairros planejados de subúrbio, resultando numa perda da centralidade. É daí que surge o termo “gueto removal” ou “negro removal”, este último, preconceituoso, dizendo respeito à maioria da população negra e latina que se formava nesses guetos.
         As medidas radicais, de derrubar tudo e construir novamente, sem se importar com o que aconteceria com a população que ali residia, receberam duras críticas na forma de protestos.
         O livro da jornalista Jane Jacobs “Morte e Vida nas Grandes Cidades”, é um exemplo forte da conscientização dos problemas desses projetos modernos e radicalidade das intervenções. Seu livro faz uma apologia á rua, a rua comum, tradicional, as vantagens de recuperar a escala da vizinhança urbana, contra a rua “corbusiana”.
         Era claro que a população não gostava da atitude dessa arquitetura. Observava-se que a tecnologia produzia avanço, progresso, mas não desenvolvimento humano.
         Os protestos forçavam mudanças na relação política entre administração e população, e importantes reivindicações foram conseguidas.
         Nessa época surgiram as ONGs, tendo talvez como exemplo mais conhecido o Green Peace. A conscientização para com o meio ambiente, iria gerar diversas outras discussões (como tempo de vida de materiais, reciclagem e reutilização desses materiais, poluição) questões que estavam até então pouco disseminadas, passam a ter enfoque na mídia, com a criação e divulgação de relatórios de impacto ambiental.
         Logo, medidas assim seriam decretadas obrigatórias por legislações federais.
A população é usuária dos projetos, assim sendo, muitas experiências e considerações foram feitas com a participação dessa população a partir desse momento, especialmente em programas habitacionais.
         O melhor exemplo disso talvez seja o da cidade de Newcastle, Inglaterra, onde o arquiteto Ralph Erskine projetou um edifício em que seus futuros nove mil moradores puderam participar das decisões projetuais. O processo demorou 13 anos para se concretizar, fruto da crítica à dimensão do programa e solução projetual da Arquitetura Moderna.
         Nos centros urbanos, acontecia uma “cristalização” da arquitetura. Torres de vidro, repetidas e seguindo preceitos modernos “miesianos”, tinham mais a ver com soluções financeiras do que com soluções humanas. Como diz Anatole Kopp, o moderno passa a ser um estilo, e não mais uma causa.

Lake Shore Drive - Mies van de Rohe. Arquitetura Moderna torna-se um estilo.

Talvez o maior símbolo da indignação para com essa arquitetura, seja a grande quantidade de conjuntos habitacionais modernos demolidos no período. Era a destruição de espaços que não respondem mais às necessidades do homem.
As Avaliações Pós Ocupação surgem em detrimento disso, em analisar o projeto depois de terminado, o que acontece com a população que vai habitar esses espaços. Uma experiência ruim nesse ponto ainda é a da COHAB, que insiste, mesmo depois de tanta discussão, em entregar o mesmo projeto de residência para uma população que faz um “puxadinho” e aumenta a área da casa.
A adaptação dos moradores em edifícios modernos, vem muitas vezes com modificações e reformas curiosas, como as do projeto de Le Corbusier em Pessac, onde as janelas e telhado aparente “comum” surgem como justificativa á “frieza” do ambiente. São transformações em nome da subjetividade.
A mesma crítica vale para o Urbanismo. O livro de Christopher Alexander, “A cidade não é uma árvore”, defende quão privado de escala humana o projeto urbanístico é. A Carta de Atenas de Le Corbusier, nesse ponto, recebe grandes críticas pela sua perda da vizinhança, a perda do “botequim na esquina da rua”.
Dessa maneira, arquitetos perdem a postura demiurga (o arquiteto traçando os planos num mapa, como um gigante deus que diz “aqui será assim!”) e passam a prestar contas a políticos e economistas. O arquiteto não tem mais a palavra final.
Os interesses políticos e econômicos se mostram maiores, e obviamente, não são os mesmos que o da população em maioria, que tem o interesse local, do lugar.
         Havia o despertar de idéias que tentavam devolver uma característica humana, própria de cada lugar, ao mesmo tempo que o envolvimento da população e até mesmo de quem constrói de fato, era cada vez maior.
         Como novas tecnologias poderiam se adaptar à flexibilidade que os ambientes necessitam? Como garantir que essas novas tecnologias sejam empregadas na construção civil, quando não há a participação direta do próprio operário?
         Um interesse pelo vernáculo, a arquitetura sem arquitetos começa nessa época.
         Um exemplo no Brasil, é o que o agora chamado Grupo Arquitetura Nova desenvolvia. Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro levaram adiante a idéia da alfabetização do oprimido, ensinando no próprio canteiro de obras os operários, desenvolvendo técnicas construtivas novas. Essa questão social do Brutalismo surge como um exemplo da insatisfação com o programa moderno.

Residência Pery Campos, São Paulo, 1970. Arquitetos Rodrigo Lefévre e Nestor Goulart Reis Filho


Em seu livro “Depois do Movimento Moderno”, Josep Maria Montaner vai dizer que a Arquitetura Moderna é criticada também pela sua perda da capacidade associativa. A arquitetura também deveria expressar símbolos, expressar subjetividade.
Montaner diz que ”O homem real não corresponde ao usuário ideal para o qual projetaram as vanguardas. A arquitetura deve assumir sua dimensão pública e utilizar a metáfora, o símbolo e a história para se conectar com as pessoas”. A arquitetura era moderna, porém, o homem nunca foi moderno.
Portanto, símbolos que tem valor para um local, imagens, a manifestação da subjetividade do arquiteto através desses, deveria ser considerada, já que a arquitetura não é só do dono da casa, mas também de quem projeta.
Há então uma visão mais descontraída, humorada da arquitetura.
Robert Venturi vai afirmar que a Arquitetura Moderna é uma criança, ou seja, é tudo simples e bem determinado, e que a Arquitetura Pós-moderna é um adulto, que se olha no espelho e ri de si mesmo, não se leva tão a sério.
         No livro de Venturi “Complexidade e Contradição”, ele vai defender uma visão contrária à da Arquitetura Moderna, transgredindo princípios como o da coerência.
Existe a seu ver, a impossibilidade de apenas um sistema lógico estético, que os modernos tentavam universalizar, dada a complexidade da forma arquitetônica. Essa arquitetura serviu durante o período de entre guerras, mas não em um período como na década de 1960, onde mudanças ecoavam por todos os lados.
Venturi começa seu livro com um pequeno manifesto, onde se determina Pós-moderno, para que não seja confundido com outros rótulos como “Moderno tardio” e “Antimoderno”.
Montaner diz em seu livro “Depois do Movimento Moderno”: ”Para Venturi trata-se do organismo contrário: máquina funcional e anônima por dentro e obra singular, comunicativa e pública por fora”.
Com uma frase contrária à famosa afirmação de Mies van der Rohe “Menos é mais” (Less is More), Robert Venturi da o tom do objetivo da Arquitetura Pós-moderna em não ser simples externamente, trabalhando a fachada do edifício de maneira que sua forma simbólica expresse sua função (similar a edifícios neoclássicos e ecléticos), com um interior e resolução de planta onde a espacialidade é substituída pelo simbolismo: “Menos é uma chatisse” (Less is a Bore).
No livro “Aprendendo com Las Vegas”, Venturi usa a cidade no meio do deserto norte americano como um exemplo de centro urbano onde os edifícios são comunicativos. Para ele, um edifício é comunicativo quando além de expressar sua função através de sua forma (usando como exemplo um restaurante em que o edifício tem a forma de um pato), também é um edifício funcional com um letreiro gigante.
Compara os letreiros das strips de Las Vegas com os grandes frontões e colunas da antiga Roma.

Restaurante em forma de pato. Um "Duck Building".


Charles Moore vai mais longe em sua Piazza d’Italia, em New Orleans, reproduzindo uma praça neoclássica/barroca italiana com uma implantação no formato da bota da Península Itálica, porém com luzes de neon, capitéis de latão, formas geométricas subjetivas (que segundo Moore, são manifestações suas, que relembram sua infância) e até medalhões com o próprio rosto do arquiteto esculpido.
No Brasil, durante a década de 1980, um dos representantes do movimento Pós-moderno foi o chamado Grupo Mineiro. Nomes como Éolo Maia, no entanto, ao contrário dos já citados americanos, não se rotulavam como Pós-modernos, embora suas obras tenham bastante a ver com todas as discussões trazidas pelo movimento. Eles afirmavam que todos tinham medo de ser rotulados como Pós-moderno, por que ninguém sabia ao certo o que era o Pós-modernismo.
         Em Ribeirão Preto, o debate foi trazido na década de 1980 por alguns arquitetos.


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Roberto Scatena se formou arquiteto pela FAUUMC, em 1977. Tinha como interesse, o estudo de conforto ambiental pela capitação de ventilação. Em seus projetos, o elemento da torre de capitação é presente.
Roberto estudou nos EUA, tendo como orientador o já citado arquiteto Charles Moore na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
Tendo influências fortes então de Moore e do arquiteto mexicano Luis Barragán (com seus sólidos coloridos e prismáticos), Roberto vai executar, dentre outros projetos, 3 residências em Ribeirão Preto na década de 1980, até sua prematura morte em 1986.
Suas obras tem um uso mais moderado das idéias do simbolismo, mais focado, como na residência da avenida João Fiusa.

Residência da Avenida João Fiusa - Roberto Scatena

         O arquiteto Eduardo Salata, juntamente com sua esposa designer Maitê Orsi, produzem uma arquitetura na cidade de Ribeirão Preto claramente influenciada pelo Pós-moderno norte americano.
Formado na UNIFRAN, na cidade de Franca, Salata Orsi tem uma produção muito grande na cidade, e trabalha a questão do simbolismo de maneira livre, com banalização de ícones e tradição arquitetônica.
         Sua arquitetura é muito mais radical que a de Scatena, lembrando muito a materialidade que o arquiteto norte americano Michael Graves usa, elementos neoclássicos como as colunas da Piazza d’Italia e formas subjetivas associadas à forma dos edifícios. Um exemplo do uso desses preceitos, sejam eles conscientes ou não, é o edifício do Colégio Carlos Chagas (Anglo) na Avenida Itatiaia.

Colégio Anglo - Eduardo Salata

         As formas da fachada do edifício, juntamente com o sistema estrutural aparente e as cores quentes (laranja a amarelo predominantemente) são manifestações da subjetividade do arquiteto. Esse projeto é uma escola. Logo, a forma triangular, além de fazer clara apologia ao “Anglo” (ângulo) do nome, é um símbolo que lembra a infância, as cores e formas que todos nós já desenhamos quando criança. Seria devaneio pensar que a aresta deste triângulo lembra a base de um lápis de cor, de giz de cera?
         A arquitetura de Roberto Scatena é muito mais suave em sua subjetividade simbólica.
         A residência que o arquiteto projetou para sua irmã, chamada de Casa da Biblioteca, num primeiro momento chama a atenção pela sinuosidade de sua fachada e cor de salmão.
         Sinuosidade, e cor de salmão...não é loucura associar a forma externa desse edifício com o mar, com um navio.

Casa da Biblioteca - Roberto Scatena

         Não há exageros na arquitetura de Scatena. Ele une os elementos simbólicos e formais com o programa da residência de maneira balanceada. Até mesmo a torre de ventilação se adequou na uniformidade simbólica. De novo, não é divagar pensar que a própria torre de ventilação lembra uma chaminé de um navio.

Centro Universitário Barão de Mauá - Eduardo Salata

         Elementos neoclássicos, por mais que tentem buscar uma tradição do passado e uma identidade com as raízes culturais, pelo menos no Brasil, na cidade de Ribeirão Preto, são visualmente chocantes demais. A fachada do Centro Universitário Barão de Mauá, é um claro exemplo desse choque com o entorno.
         O uso do simbolismo no Pós-moderno, é cheio de contradições. Não há como estabelecer um padrão de explicação para seu uso, já que este é subjetivo, e pode ser explicado apenas como uma vontade individual do arquiteto ou do cliente. O que pode, no entanto, ser medido, é se o edifício apresenta coerência com o entorno, se representa o nosso tempo, se apresenta a forma destinada para sua função, mesmo que no Pós-moderno isso possa ser levado ao literal de o edifício de um restaurante ter o formato de um pato.
         Nesse ponto, é claro como a arquitetura mais contida de Roberto Scatena é muito mais interessante que a de Eduardo Salata Orsi, por apresentar melhor integração com o restante da malha urbana, e um simbolismo formal de entrelinhas, que não chama a atenção para um único ponto, mas para a uniformidade projetual.
         A banalização de ícones e tradição que Eduardo Salata Orsi pratica, reflete a arquitetura ruim de Ribeirão Preto, juntamente com as dezenas de casas e edifícios comerciais Ecléticos sem razão de existir e cheios de apliques que se espalham por bairros de periferia, enquanto os verdadeiros edifícios ecléticos e de tradição histórica de Ribeirão Preto são cobertos de letreiros gigantes em áreas centrais degradadas e esquecidas à noite e finais de semana.

Hotel Íbis e Office Tower - Eduardo Salata


DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: Pini, 1990, 198p: il.

MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno: arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: GG, 2001, 271p.: il.

VENTURI, Robert; IZENOUR, Steven (Aut); BROWN, Denise Scott (Aut). Aprendiendo de Las Vegas: el simbolismo olvidado de la forma arquitectónica. 4 ed. Barcelona: GG, 1998, 228p.: il.

Demais fotos tiradas no dia 25 de novembro de 2008, em Ribeirão Preto.

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