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Em defesa da verdade construtiva: a Casa em Bragança Paulista [Carlos Ferrata]


         Visitar uma casa em um condomínio fechado é sempre uma experiência curiosa. Por um lado é interessante passar pelas ruas e observar casas dos mais diferentes jeitos, sem portões ou grades frontais. Por outro lado, é desanimador pensar que muitas residências bonitas, e que poderiam servir de referência à população, ficam escondidas por trás dos altos muros de divisa com a cidade. Embora minoria (perante uma massa incrível de residências ultraecléticas de cor bége), é sempre interessante quando alguns exemplos são publicados e expostos ao público. Casas como a de Bragança Paulista, projeto do arquiteto Carlos Ferrata, são exemplos construtivos, cuja relação com o meio urbano traça fortes relações com uma arquitetura ensaiada a décadas, principalmente na vanguarda paulista.


         A topografia do terreno e a honestidade com que os materiais foram trabalhados, são as características que definiram o projeto. Em uma primeira vista, é impossível não reconhecer elementos fortes da produção de outros arquitetos nesse projeto. A estrutura de concreto armado aparente, alvenarias de tijolo a vista, a caixa d'água apoiada em um único pilar...trejeitos do discurso de Joaquim Guedes, Carlos Millan, Artigas. Embora a arquitetura seja calcada em experiências construtivas anteriores, é inegável a importância e o quanto esses conceitos ainda vivem fortes no ideário da arquitetura contemporânea brasileira. Tais características, mesmo tantos anos depois, ainda são verdadeiras, longe de serem apenas estéticas, mas necessárias e úteis em nosso contexto econômico, experiência da mão de obra, e enquanto rompedora das idiossincrasias de quem vai habitar tal edifício, desnudo de revestimentos e completamente didático em sua maneira de expor estrutura e materiais.


         Como se a residência atracasse à garagem descoberta, apenas uma passarela metálica serve de ligação entre o nível da rua e o desnível em que o edifício de encontra.



         Uma árvore e um banco dividem o espaço da garagem, convidando não apenas à entrada e passagem, mas à permanência em tal espaço, que acaba tornando-se uma pequenina praça. Tal atitude é uma gentileza e demonstra o respeito ao limite entre público e privado.
         Ao atravessar a passarela, três possibilidades se apresentam: subir a escada externa e chegar à cobertura (com laje jardim), descer a escada interna e ir à área social, ou adentrar a área com quartos e banheiros.



         Marcando a fachada frontal da casa, o único volume a receber revestimento branco, pequenas janelas pivotantes em fita iluminam os sanitários, cozinha e área de serviço. Todas as esquadrias são de madeira. Dois dormitórios dividem um sanitário, enquanto um terceiro dormitório maior, possuí seu próprio banheiro.
Ao se descer as escadas, uma surpresa: a bela vista.



         Cozinha e Living distribuem-se pelo mesmo espaço, integrando-se ao espaço externo através de uma varanda, cujo vão livre e portas de correr possibilitam o entendimento do espaço como uma grande sala.





         Quando o clima permite, a varanda é espaço protagonista da residência. Lazer, estar, almoço, jantar...o espaço externo agrega variadas atividades. Voltada a leste, recebe o saudável sol da manhã, e à tarde a tão procurada sombra.


         A viga de concreto, deixada aparente, com as marcas das formas de madeira, é a responsável por possibilitar tal arranjo programático. Acima da porta de correr, a trave sustenta tudo: o pavimento superior, o intervalo necessário para maior contato com a natureza, o desejo da arquitetura de ser livre, fabricada pelo homem mas inserida na paisagem. Seu esforço não é apenas visível em suas dimensões, mas nas marcas em sua superfície, as marcas do trabalho humano, capaz de erigir tal artefato dispondo de sua própria subjetividade e capricho.
         O mesmo capricho é essencial no restante da casa, no assentamento dos tijolos maciços, no cuidado com as esquadrias de madeira. Toda a verdade do canteiro de obras é exposto, todo o mérito do operário é exibido, sem máscara.



         Abaixo da varanda, um volume de pedra, similar ao volume da entrada, guarda um quarto cômodo, com dormitório e sanitário.


         É muito fácil julgar uma casa por gostos estéticos pessoais. "Tal forma é feia, tal material é pobre, tal cor não funciona". Mais uma vez é importante frisar: a verdadeira qualidade do espaço está em sua relação com o lugar e seu vazio. A beleza mora nos intervalos, na lembrança que cada superfície guarda. E se a arquitetura nasce da verdade, e se define na verdade, torna-se didática. Uma lição.


Mais imagens e informações:
> Centro Arquitetura, escritório do arquiteto Carlos Ferrata:

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