Talvez nenhum outro país é tão associado ao futuro quanto o Japão. Mesmo que o arquipélago esteja fragilizado, em situação de risco eterno (por terremotos, tsunamis, falta de espaço), ainda assim nenhum outro lugar do mundo é simbolo e tão forte representante de inovação e tecnologia quanto este pequeno país da Ásia. Independente das catástrofes futuras, dadas como certas, a população nipônica segue sua rotina, incorporando e encarando a desgraça e destruição como partes fundamentais da vida: o antivital como propulsor de subjetividades capazes de subjugar (ou ao menos domar temporariamente) o território.
Catástrofes vem e vão, e ao invés de ficar olhando e relembrando o passado com pesar, os japoneses (principalmente os arquitetos e engenheiros) lutam contra o destino, mostrando ao mundo e a si mesmos que é importante avançar sem sentir pena. Em meio a ruínas, surge sempre nova arquitetura.
Proposta para concurso do novo Estádio Nacional do Japão
[Azusa Sekkei Co., Ltd.]
A imagem acima mostra a perspectiva de um dos projetos propostos por um escritório de arquitetura japonês para o concurso do novo Estádio Nacional, recentemente divulgada.
O antigo estádio nacional foi construído a quase meio século atrás, marcando um período de prosperidade e esperança para o país. Ao propor o concurso, Tadao Ando (principal membro do juri) atiça todos os arquitetos na busca de um novo símbolo de esperança, capaz de esquematizar todas as complexas questões contemporâneas de fluxos e eficiência energética.
Proposta para concurso do novo Estádio Nacional do Japão
[Zaha Hadid Architects]
Proposta para concurso do novo Estádio Nacional do Japão
[SANAA + Nikken Sekkei Ltd]
Mesmo os escritórios estrangeiros participantes do concurso, como o de Zaha Hadid e UNStudio, dividem um ponto em comum erigido pelo edital: espacialidades que apresentam aquilo que o edifício é enquanto organização programática em uma grande estrutura. Claro, não poderia ser diferente, já que se trata de um estádio para apresentações e esportes, um local de concentração populacional e decorrente convergimento de fluxos (as referências se estendem de volta à antiguidade, Roma e Grécia).
Sendo assim, é absolutamente óbvio que as propostas todas considerem uma grande massa construída. Porém, quando se fala em Japão, e em arquiteturas gigantescas como essas, é difícil não refletir sobre a influência do movimento Metabolista Japonês na compreensão dessas estruturas em tão sensível território (fisicamente e metafisicamente).
Ao invés de se limitarem a resistir a terremotos, os edifícios projetados na terra do sol nascente desafiam e propõe novas espacialidades, tanto em grandes escalas, quanto em pequeniníssimas (mesmo!) escalas.
2 imagens acima: Casa Sumikiri,
projeto do escritório japonês y+Mdo
2 imagens acima: Final Wodden House (algo como A Casa de
Madeira Definitiva), projeto do escritório japonês de Sou Fujimoto
A busca por novos meios de propor espacialidades na arquitetura contemporânea do Japão, encarando os aparentes problemas do território sem que isso se defina como fator limitador do pensamento, tem clara continuidade dos conceitos que os arquitetos metabolistas perseguiam a 40 anos atrás.
Nenhum outro momento foi tão simbólico para o movimento que a Expo '70, a Exposição Mundial do ano de 1970, que ocorreu na cidade de Osaka.
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A imagem acima pode até parecer uma grande maquete feita de Lego, mas a fotografia registrou alguns dos mais de 100 pavilhões da gigantesca Exposição Mundial em Osaka. O ano era 1970, início de uma nova década para um ocidente já cansado com os embaraços das políticas externas norte-americanas (Cuba, URSS, Corrida Espacial, Vietnã), triste com o fim dos Beatles e agitados com o "Electric Funeral"* que poderia acontecer a qualquer momento. A década marcava também nova era para o Japão pós-guerra, naquele momento atingindo alto grau de desenvolvimento e industrialização.
A Expo '70 não foi apenas uma tentativa política do capitalismo de "apresentar" o progresso da nação nipônica (não podemos nos esquecer que, à época, o arquipélago tinha como vizinhos os principais países do bloco socialista), mas de fato uma real consolidação e oportunidade para mostrar ao mundo a força do pensamento arquitetônico formulado nos mais de 20 anos do pós-guerra.
O vídeo acima e o mapa abaixo, ajudam a compreender a escala gigantesca do evento.
O principal articulador por trás do plano foi o arquiteto Kenzo Tange, sob muitos pontos de vista, o líder e principal instigador do Metabolismo Japonês (embora tenha se mantido conceitualmente distante em certos momentos). A idéia era que o plano da Expo '70, pensado por ele e Arata Isozaki, se organizasse como uma árvore: o grande acesso e distribuidor de fluxos na fita vermelha representa o tronco, as vias que dela partem são os galhos, e os diversos pavilhões representam as folhas.
Todas as exposições mundiais possuem diversos pavilhões nacionais e corporativos, cujo objetivo é apresentar temas e inovações que representem de alguma forma o país ou determinada evolução industrial. Acima, foto do pavilhão da Coréia. Ao fundo a Grande Cobertura e a Torre do Sol.
Pavilhão da Itália
Pavilhão dos EUA
O imponente pavilhão da URSS, na imagem acima, era um dos pavilhões que marcava maior presença. Um constante lembrete do atrito internacional.
Pavilhão da Holanda
Pavilhão da Suíça
A infraestrutura construída e planejada em poucos meses impressionava, dado o caráter temporário da exposição. A exposição era tão grande, que poderia e foi pensada como uma pequena cidade.
Os pavilhões internacionais eram, de maneira geral e crítica, projetados para serem caixas fechadas que abrigariam ambientes alienígenas ao contexto (o pavilhão dos EUA, por exemplo, era uma ode à duvidosa exploração espacial recente, o programa Apolo e todo o marketing envolvido, chegando ao extremo de exibir uma cápsula espacial da NASA e uma suposta pedra recém trazida da Lua). O pavilhão da Suíça era lindo e absolutamente não-utilizável (você pode ver as maravilhosas estruturas, mas não pode caminhar entre elas), o da URSS era propositadamente alto, imponente e de aparência impenetrável, e assim por diante. Com raras exceções, em especial uma que veremos alguns parágrafos abaixo, cada pavilhão é uma folha da árvore que tenta ser maior, mais brilhante e bonita que a vizinha.
Os pavilhões projetados pelos metabolistas japoneses, de longe eram os mais interessante e de aspecto mais "futurista", que melhor articulavam o plano da Expo '70, fazendo uma transição interessante e propondo novas espacialidades públicas.
Torre de Observação da Expo '70, projeto de Kiyonori Kikutake**. Grandes cápsulas se prendem a uma estrutura de 120 metros de altura. Devido a problemas no orçamento, apenas algumas cápsulas, das várias previstas no projeto, foram encaixadas, servindo como mirantes.
Pavilhão da empresa Takara Beautillion, projeto de Kisho Kurokawa***. A estrutura pré-fabricada, composta por peças em cruz de seis pontas, foi montada em apenas 6 dias. Cápsulas poderiam ser encaixadas a bel prazer, de acordo com a vontade de expandir o espaço do edifício. Para afirmar ainda mais tal conceito, as estruturas foram deixadas sem acabamento (com pontas em espera), de maneira a simbolizar que, caso quisessem, os executivos da empresa de produtos de beleza poderiam expandir ainda mais o espaço do pavilhão.
Pavilhão da Toshiba IHI, também projeto de Kurokawa. Assim como no pavilhão anterior, a pré-fabricação é utilizada para garantir fácil construção e desmontagem do edifício (não nos esqueçamos que a Expo '70 durou apenas alguns meses). Peças em formato de tetraedro estruturavam um grande globo pendurado, cujo interior ocultava um auditório.
Todos os edifícios projetados por Kenzo Tange e seus colegas metabolistas apresentam permeabilidade chocante se comparados aos demais exemplos internacionais ali expostos.
Nenhuma outra obra metabolista foi tão impactante, porém, como a grande cobertura que marcava o acesso à Exposição.
Projetada por Tange, a grande cobertura era, naquele momento, a maior estrutura metálica treliçada do mundo (108x292 metros, e 30 metros de altura). Além de proteger os visitantes das intempéries, a cobertura seria um grande marco e ponto de convergência da área, o tronco da árvore. O engenheiro Mamoru Kawaguchi foi o gênio por trás da execução da estrutura, montada inteiramente no chão e erguida até sua posição por macacos hidráulicos.
Segundo Rem Koolhaas, em seu livro Project Japan: Metabolism Talks...: "...no coração da Expo '70 se ergue em oposição ao fechamento, fragmentação e rivalidade dos outros 116 pavilhões individuais..."****
Pavilhão brasileiro da Expo '70 Osaka
[Paulo Mendes da Rocha, Jorge Caron, Julio Katinsky e Ruy Ohtake]
É importante lembrar que o Brasil participou da Expo '70 com um pavilhão, cujo projeto foi ignorado pela mídia internacional (sendo dificilmente citado entre os pavilhões da Exposição, nem mesmo o livro Project Japan cita qualquer informação). Os motivos para tal obscuridade de tão interessante projeto são vários, mas podem se resumir em três: a exclusão de nossa arquitetura da mídia internacional após a inauguração de Brasília 10 anos antes, o golpe militar em 1964 e sua intensificação em 1968, e a aparência humilde e simples do resultado final (principalmente se considerarmos o festival de cores e monumentalidade dos pavilhões vizinhos).
As imagens da maquete mostram a simplicidade da proposta: uma grande cobertura de concreto armado protendido, vazada por aberturas zenitais, e apoiada em apenas 4 pontos, sendo nenhum deles o convencional pilar vertical.
Os quatro cortes acima mostram a distribuição do programa, em salas semi-enterradas acessadas por rampas, dispostas em uma "topografia projetada", que conforma um vazio central protegido por três morrinhos (que escondem 3 dos 4 pilares, como se os apoios fossem diretamente a própria fundação dentro da terra) e um único apoio formado pelo cruzamento de dois arcos.
Tal elemento de apoio desenha uma abóbada virtual: se imaginarmos a rotação da peça de concreto, seu vazio interno desenharia outro morrinho, dessa vez oco, como as abóbadas tão presentes na história de nossa arquitetura.
A cobertura vazada é uma clara referência a Vilanova Artigas e à FAUUSP, o teto de cristal desenhando com a luz em seu interior um espaço público, quase um peristilo, protegendo e ao mesmo tempo liberando um abrigo, abraçando e resguardando contra as intempéries.
Por mais que generalize, o recém citado comentário de Rem Koolhaas, em seu livro Project Japan, não deixa de ser grave acusação. Em meio a pavilhões fechados e egocêntricos, surge nossa arquitetura (representada por quatro talentosos arquitetos paulistas) muito afinada com os conceitos da grande cobertura treliçada de Kenzo Tange. Se a construção dos Metabolistas Japoneses é trespassada por uma escultura que parece brotar do chão, nosso pavilhão é trespassado pela luz, sem que nenhum elemento vertical precise se impor ao grande plano horizontal.
Ambos os pavilhões, Brasil e Japão, diferenciadas as materialidades, cobrem ao invés de fechar, acolhem ao invés de segregar, unem sob um mesmo teto livre de fechamentos. De baixo, é possível ver os vizinhos, e é possível enxergar o céu.
Trespassando o centro da grande cobertura está uma escultura do artista japonês Taro Okamoto. Com o nome de Torre do Sol e mostrando 3 diferentes faces aos visitantes, de início a escultura não agradou Kenzo Tange, principalmente devido ao grande contraste entre os dois elementos. Okamoto cria uma escultura de aparência quase arcaica, popular, em contraste com a arquitetura de ares futuristas da cobertura. Somando-se a isso, o fato de que a peça atravessa a estrutura metálica, criando-se um grande buraco descoberto em seu local, gera discussão no começo. Porém, aos poucos, o artista convence o arquiteto, justamente pelo fator do confrontamento entre arte e arquitetura, pelo absurdo de se atravessar algo de aparência tão arcaica em um plano tão high-tech.
Os únicos seis apoios da grande cobertura também comportavam escadas e elevadores, que levavam a pavilhões enclausurados dentro da estrutura treliçada. Dentro desses espaços, diversos arquitetos, estrangeiros e japoneses dispunham suas idéias sobre a cidade do futuro, ilustrando o tema "Encontro com a Vida". Kisho Kurokawa, Archigram, Giancarlo de Carlo e outros, mostravam suas visões sobre urbanismo, em uma exposição que acontecia quase trinta metros de altura do chão, dentro de pavilhões encaixados na estrutura vazada de metal.
Vista da grande cobertura à noite. Detalhe para os pavilhões encaixados
dentro da cobertura e de uma das três "faces" da Torre do Sol.
As 5 perguntas que o visitante do pavilhão do Archigram, na
grande cobertura, teria que responder ao acessar uma gruta
Embaixo da cobertura, o vazio, chamado de Festival Plaza, seria o lugar do acontecimento. Diversas pessoas que chegam, saem e passam, se encontram nesse grande monumento que, segundo Arata Isozaki, seria um "monumento invisível". Dessa maneira, a grande sacada dos metabolistas japoneses na Expo '70, foi entender que o principal protagonista daquela grande Exposição Mundial, não eram seus conteúdos ou enormes estruturas e infraestruturas, mas sim o intervalo entre elas, o interstício que reúne e distribui as pessoas. Perante a monumentalidade que esses tipos de eventos propiciam (até os dias de hoje, basta lembrar da Expo de Xangai em 2010), a exposição de Osaka marcou de fato nossa história recente, por colocar em prática e dar a chance de revelar idéias que embaraçavam a mente de jovens arquitetos de um país peculiar, que tão cedo lidava com questões hoje tão evidentes.
Muita esperança e ansiosidade marcaram as mentes dos arquitetos do Metabolismo após o encerramento da Expo '70. Seria agora a chance de aplicar todos os conhecimentos conquistados e testados em cidades de verdade? A crise do petróleo e uma série de fatores trataram de colocar os motores da evolução em menor movimento nos anos que se seguiram naquela década. 1970 foi o pico do movimento, e os anos que se seguiram viu um desaquecimento e desconcentramento conceitual.
Foto recente do local em que aconteceu a Expo '70
Hoje, entre as poucas coisas que restaram da Exposição Mundial de Osaka, está a Torre do Sol, solitária entre a vegetação do parque que hoje ocupa a antiga tabula rasa.
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Continua...
Não deixe de ler a parte 1 e 2 dessa série clicando nos links abaixo:
Imagens e mais informações:
> Expo '70:
> Concurso para o novo Estádio Nacional do Japão:
> Casa Sumikiri [y+Mdo]
> Final Wooden House [Sou Fujimoto]
> Pavilhão brasileiro na Expo '70 Osaka
Algumas imagens foram retirados do trabalho "A Feira Mundial de Osaka de 1970: O Pavilhão Brasileiro", publicado na Arqtexto 16 e disponível em PDF através do seguinte link: http://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/fr_arqtexto16.htm
Vale muito a pena ler o trabalho, de autoria de Ruth Verde Zein, responsável também pelo web-site Arquitetura Brutalista, cujo link direciona.
O blog comoVER não possuí qualquer direito de exibição das imagens, sendo todas elas coletadas nos links citados com o puro intuito de ilustrar a narrativa do texto. Se existir incomodo, estas serão retiradas imediatamente perante pedido, seguidas de retificação.
Para aprofundamento do tema, sugerimos o livro:
> KOOLHAAS, Rem; OBRIST, Hans Ulrich. Project Japan: Metabolism Talks... Colônia, Benedict Taschen, 2011, p. 719.
* Os autores se referem aqui à música "Electric Funeral", da banda de rock britânica Black Sabbath, que não por coincidência lançava no mesmo ano de 1970 seu segundo álbum, intitulado Paranoid, que continha tal faixa. As letras deixam explícitos os sentimentos aterrorizantes da alienação provocada pela ameaça do holocausto nuclear.
** Para mais informações sobre Kikutake, não deixe de ler a Parte 2 dessa série de postagens sobre o Metabolismo Japonês, clicando no link indicado mais acima, ou aqui.
*** Para saber mais sobre Kurokawa, e um de seus projetos mais conhecidos e admirados (A Torre Cápsula), leia a Parte 1 dessa série de postagens sobre os metabolistas japoneses, clicando no link indicado mais acima, ou aqui.
**** Tradução dos autores, retirado da página 511 do livro Project Japan.
Eu acredito que nosso pavilhão passou batido devido à sua irrelevância para a discussão arquitetônica da época. enquanto todos estavam pensando um novo mundo otimista a partir das novas tecnologias e maneiras de viver, estávamos apresentando mais do mesmo - como ainda estamos fazendo.
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