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Desconstruindo a Caixa - I


Desconstruindo a Caixa
I

O que é uma caixa?


         Em uma cena do filme The Box (2007), baseado em um episódio da extinta série para televisão The Twilight Zone, o personagem Steward (Frank Langella) é questionado do por que o objeto central da trama ser uma caixa. A resposta do homem misterioso de rosto deformado é simples e direta: todos os dias entramos em caixas metálicas, que são nossos carros, passamos a maior parte do dia em salas fechadas, que são caixas, e vivemos dentro de nossos corpos físicos, por si mesmos caixas. Somos recipientes que guardam desejos e que constroem outros recipientes.
         O mesmo não pode ser dito de nosso planeta. Ocupamos sua superfície castigada pelas vicissitudes da atmosfera e espaço infinito, enquanto apenas se pode especular o que existe no interior de nosso lar. O que guarda o fundo do planeta? O que guarda o fundo de nosso ser?
         Ao ver uma caixa, questionamos sua superfície da mesma maneira que questionamos a Lua no céu. Mas o que guarda uma caixa? Sapatos? Bombons? E o que guarda a vida, Forest Gump?
         De que adianta um edifício ser todo recortado, de superfície geométrica complexa, se ao adentrarmos, nos encontrarmos em um prisma?
         Os questionamentos nos levam à pergunta central: Uma caixa, ainda é uma caixa, se não tiver a forma de um prisma? Uma esfera é uma caixa?
         Será que o vazio é uma caixa, cujos limites e bordas nem sempre são visíveis? Será o Universo uma caixa?


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Casa Arco (2011)
[Pezo von Ellrichshausen]


         Essa casa em Concepcion, Chile, antes de mais nada, deveria ser capaz de resistir a terremotos. Esse foi o pedido principal dos clientes, cuja casa anterior havia sido danificada pelos abalos sísmicos no país, em 2010. Como resultado, uma simples estrutura metálica modular foi proposta, fechada por vidro em todas as direções.




         O escritório chileno de arquitetura de Mauricio Pezo e Sofia von Ellrichshausen, é conhecido pelos edifícios prismáticos, de soluções simples e minimalistas. Aqui não é exceção: a Casa Arco é uma caixa vertical muito bem definida e delimitada, encaixada no terreno e pronta para resistir a terremotos.
Mas o que guarda a caixa?


         Simples cortinas ocultam ou revelam o interior da residência, onde, a la Mies van der Rohe, nenhuma parede encosta na fachada, com apenas um elemento central delimitando e dimensionando o programa.

corte B

         No térreo, dois ateliês de cerâmica são o local de trabalho do casal, ambos artistas. Nos três pavimentos superiores, incluindo um "térreo elevado", a estrutura envolve seis salas de dimensões similares, fechadas por vidro.

planta pavimento térreo
(ateliês de cerâmica)


planta primeiro andar / térreo elevado
(living e cozinha)

         No primeiro andar existe uma ligação com a parte traseira do lote, onde um outro térreo, mais alto, compreende um pequeno "quintal". O terreno rochoso contrasta fortemente com a estrutura metálica.


planta segundo andar
(ateliês de desenho)

planta terceiro andar
(dormitório e banheiro)

corte A


         No núcleo da estrutura, uma escada liga os quatro pavimentos, iluminada timidamente por uma abertura zenital, emoldurada pela paisagem circundante.




         A cidade de Concepcion possuí clima frio e chuvoso, o que possibilita que a grande incidência de luz seja benéfica para o aquecimento da residência. Por outro lado, o vidro perde calor facilmente. Para resolver o problema, o piso de madeira possuí aquecimento que pode ser ligado nos dias de inverno.


         Esse edifício prismático no Chile, é o perfeito exemplo de edifício como caixa. A forma se assume literalmente, graças ao sistema construtivo e vontade dos clientes. Para muitos, a visão causa desconforto, para outros admiração.
         Mas será a Casa Arco um grande resumo formal do edifício fechado? Existem outras alternativas, ou são apenas medidas para tentar enfeitar ou disfarçar a caixa?

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Casa Boaçava (2011)
[UNA Arquitetos]


         Localizada no bairro de City Boaçava, São Paulo, essa residência se destaca do entorno por suas linhas retas, planos cegos e concreto aparente. Friamente analisado, o projeto utiliza soluções seguras e já bastante executadas na arquitetura paulista das últimas décadas (concreto aparente, grandes vãos e balanços, volumes prismáticos empilhados e cruzados), no entanto a casa guarda soluções inusitadas, como a maneira com que a topografia original é tratada em relação aos dois volumes, e o uso de concreto colorido.

Em meio a telhados, uma caixa de concreto.


         De cara, o que mais chama atenção nessa casa pensada para um casal com dois filhos, pelo escritório de arquitetura UNA, é o concreto armado aparente de cor levemente rosa/vermelha, fruto de uma reação química com o óxido de ferro. Esse volume térreo é fechado, com poucas aberturas, e estabelece um curioso encaixe com o volume de concreto superior (este de concreto aparente comum): ao se encontrarem, não encostam um no outro, com o vidro sem caixilhos fazendo o papel de revestir o vazio (solução similar à de Angelo Bucci na reforma da Casa Olga Baeta, projeto de Artigas e Cascaldi, por exemplo).


         O vazio fechado por vidro entre os dois volumes configura-se como uma caixa transparente, um terceiro volume "oculto", que pode se abrir, transformando parte do térreo em piloti.

planta do pavimento térreo

corte longitudinal


         Dentro do invólucro que se configura entre os dois blocos de concreto, somos lembrados a todo momento pela materialidade onde estamos. O espaço do living, que acompanha a topografia do terreno também em seu interior, define-se portanto como um interstício: um intervalo que "vaza" por entre duas caixas. Será que mesmo sendo possível abrir as portas de vidro e "integrar" interior com exterior, esse espaço deixa de ser um prisma? Afinal, os dois planos horizontais, piso e teto, terminam em determinado ponto.





         O pavimento superior, diferente do bloco de concreto vermelho monolítico, possuí duas grandes subtrações. Estas, assim como o piloti abaixo, configuram um intervalo, no entanto escavado e aparente no grande prisma.

planta do pavimento superior

corte transversal

         A princípio, sob um olhar mais rotineiro, a Casa Boaçava parece ser composta por apenas dois prismas de concreto. No entanto, o que se percebe através de uma análise mais profunda é o encaixe de dois volumes de concreto com diversas caixas definindo seus intervalos. Caixas que desmancham no ar.


Será que mesmo sem fechamentos nas 6 faces, uma caixa ainda é um invólucro, mesmo aberta?



         Ainda que existam rasgos nos prismas dessa casa em São Paulo, os vazios, em composição com os cheios, criam delimitações virtuais. A opacidade do concreto e a transparência do vidro cuidam para que esse projeto mantenha sempre dois pontos fundamentais da arquitetura: de fora se vê o dentro, e de dentro se vê o fora. E se isso é possível, a casa ainda é uma caixa?

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Casa Brisco (2009)
[Andrés Careaga e Javier Corvalán]


         Se uma caixa é fechada, sem aberturas, torna-se um sarcófago? E se tal sepultura é para aqueles que já deixaram essa vida, seria então uma caixa rasgada, onde a luz pode entrar, para aqueles que vivem?
         Muitas vezes acontece uma inversão: ao invés de rasgos que conformam vazios no prisma, são planos que configuram vazios e volumes. Esse é o caso dessa casa em Assunção, Paraguai, projeto dos arquitetos Andrés Careaga e Javier Corvalán, cujos simples elementos estruturais delimitam dentro e fora: quatro vigas e oito pilares.




         As quatro vigas possuem diferentes formas, e se apoiam em oito pilares nos limites do lote. Através de tirantes, as lajes são penduradas, enquanto as vigas estabelecem também divisões nos ambientes, sem nunca tocar diretamente o chão.



Corte Longitudinal

         Dessa forma, pequenas fendas se formam entre as lajes e vigas, proporcionando, por exemplo, que do fundo do terreno se aviste a frente através da garagem, mas que de dentro da casa, um alçado cego de concreto delimite a visão para um jardim descoberto.




         A relação entre os espaços se dá de maneira a criar invólucros que mal encostam uns nos outros. Em outras palavras, a sucessão de elementos construtivos acaba por criar uma caixa como um labirinto de luz, onde lajes se penduram sem que a visão total seja comprometida, de maneira que a transparência esteja presente o tempo todo.





         A transparência acontece até no muro que divide o prisma principal de um volume lateral, que abriga todas as áreas "milhadas" da casa (cozinha, lavanderia e banheiros). Dividindo a rampa de acesso da garagem e o volume lateral, está um muro construído com tijolos cerâmicos vazados, compondo um cobogó.






         Fotografias mostram a simplicidade do arranjo da estrutura de concreto. O interstício entre cada peça conforma o prisma, fechado por vidro ou deixado aberto.
         A rudeza com que o concreto aparente opera, tanto externamente quanto internamente, acaba por lembrar a pessoa que vai ocupar aquele espaço da unidade que o vazio conforma. Se ao varrer o chão, ou empurrar água com um rodo provoca reação, por exemplo, na garagem (a água ou sujeira pode atravessar a fenda e chegar até o abrigo de autos), então uma caixa repercute em outra.
Será que mesmo quando não podemos enxergar, um espaço influencia outro?

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Mais imagens e informações:
> Casa Arco:
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