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2 projetos [Brasil Arquitetura]


         Não faltam bons exemplos de Arquitetura. Nesses 14 meses online do comoVER, já postamos diversos projetos, muitos deles brasileiros. Vivemos no país com umas das produções arquitetônicas mais surpreendentes do mundo, e podemos dizer isso sem receio de exagerar. Quer uma prova? Basta navegar pelo blog.
         Porém, justamente por esse volume grande de projetos de qualidade, existem diversos escritórios de arquitetura que acabam não sendo citados aqui no blog. Um desses escritórios é o Brasil Arquitetura.
         A produção da equipe liderada por Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz é de grande qualidade, inspirando e mostrando a importância do legado modernista. Os herdeiros de Lina Bo Bardi são humanistas, preocupados com a relação do homem e o lugar onde vive, livres de formalismo ou idéias pré-concebidas. Suas obras merecem estar nessa lista de postagens.
         Para corrigir esse erro, apresentamos a seguir dois projetos do escritório, ambos recentes e concebidos na mesma época, um muito divulgado, e outro nem tanto. Os links para mais informações e fotos (dos sempre fantásticos Nelson Kon e Leonardo Finotti) segue ao final.

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Museu do Pão - Moinho Colognese (2005-2007)
[Brasil Arquitetura]


         O projeto trata da revitalização de um antigo moinho e a construção de dois pavilhões ao seu redor. O Moinho Colognese, localizado na cidade de Ilópolis, Rio Grande do Sul, é importante representante do legado colonial da região, habitada por imigrantes europeus que trouxeram o conhecimento na construção de moinhos destinados à produção de farinha. O edifício, construído com madeira araucária, estava abandonado desde o início da década de 1990.



         No ano de 2003, foi lançada a idéia da criação de uma "rota dos moinhos", com a revitalização de diversos moinhos abandonados da Serra Gaúcha. O Brasil Arquitetura foi responsável pela revitalização do Moinho Colognese, que não é apenas um objeto do passado a ser visto, mas ganhou novo uso como produtor de farinha de milho para polenta. Completam o programa dois edifícios anexos: uma escola de padeiros (para ensinar o ofício) e um museu (que preserva a cultura e história do pão na região).





         Uma das principais características do projeto é seu contraste de materiais, ligados todos a um único: a madeira. No texto divulgado no ArchDaily Brasil, onde a dupla explica brevemente o projeto, explicitam o fato de que a madeira não está apenas na varanda que liga o antigo moinho aos novos edifícios, ou neles mesmos, mas também está virtualmente presente no concreto moldado pelas formas, deixado com suas marcas expostas. O pavilhão que abriga a escola de padeiros é elevado do solo alguns palmos e fechado, marcado apenas por algumas aberturas rítmicas. No intervalo das janelas é possível observar gárgulas que cuidam de expelir a água das chuvas que se acumula em excesso na cobertura jardim.




         Outro edifício, também elevado do solo, abriga o Museu do Pão. Ao contrário da escola de padeiros, o museu é aberto a todos que o observam: uma estrutura esbelta cuida de sua sustentação, com pilares que se assemelham a árvores, enquanto que os panos de vidro sem caixilhos são ora expostos, ora protegidos por brises de madeira corrediços.







         Cultura, aprendizado e história são oferecidos nessa proposta pontual do Brasil Arquitetura, capaz de mudar a consciência da comunidade, antes envergonhada pelo envelhecido moinho. Agora celebram sua história, onde o novo e antigo se encontram. O resultado é a excelente arquitetura, a serviço da preservação das tradições e cultura.










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Villa Isabella (2005-2007)
[Brasil Arquitetura]


         Essa residência na cidade costeira de Hanko, Finlândia, exemplifica bem a capacidade desses arquitetos de se adaptarem a diferentes contextos. A referência à arquitetura de Alvar Aalto é explicitada por Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci no memorial do projeto, onde falam da importância e influência de Aalto na arquitetura moderna brasileira. A ideía que guia o projeto, de acordo com os arquitetos, é a do desejo de "desaparecer e aparecer" em meio à vegetação do grande terreno, se confundir com a natureza.


         A madeira, pedra e vidro são responsáveis pelo jogo externo, onde luz e sombra tornam a casa parte do bosque, dependendo da visão do observador.
         Por dentro, os detalhes e encaixes de cada material contrastam com a paisagem emoldurada nas aberturas. As janelas e portas, aliás, merecem muito destaque, pela sua variedade e espontaneidade.



         Vamos dar os méritos: construir em um país longínquo como a Finlândia (embora arquitetonicamente falando os conceitos culturais se encontrem) requer uma sensibilidade singular, não de apenas entender o programa e cultura, mas o sistema construtivo, clima e todos as demais características exóticas que cada lugar do mundo possuí. A Villa Isabella é um exemplo do talento do Brasil Arquitetura em exercer a profissão voltando o olhar para aquilo que realmente importa: o uso. A casa é térrea, não possuí qualquer atrativo estrutural com o objetivo de magnificar um feito construtivo (pilotis, balanços, etc). O que se vê é o que o programa pede. A implantação e contraste entre materiais cuida de agradar o espírito.







         Na planta, é possível fazer a leitura do pátio e volumes soltos ligados por longos corredores com iluminação zenital. As coberturas, de apenas uma água, cuidam para que os recortes horizontais não desagrupem o conjunto. Os cortes evidenciam o movimento do pé direito: de dentro observa-se a cobertura, não há forro que torne as alturas dos espaços iguais.







         Na Villa Isabella, as pessoas são sempre lembradas da natureza, seja ao passar de um volume a outro pelos corredores de vidro, seja no contato com o purismo da materialidade. 

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         Escrever sobre projetos, sem nunca ter vivenciado sua arquitetura, é tarefa das mais ingratas, sabemos. Mas é fantástica a variedade de leituras possíveis através dessas imagens e desenhos. Assim como num concurso de projetos, onde um mesmo terreno e programa resulta nas mais diversas propostas, a leitura de um projeto pode ter as mesmas imagens e desenhos, porém as interpretações são muitas.
         O Brasil Arquitetura voltará a aparecer nesse blog. Até lá, será que pensaremos o mesmo, que aqui registramos hoje, desses projetos?

Mais fotos e informações:
> Museu do Pão - Moinho Colognese:
> Villa Isabella:

Comentários

  1. Acho o Brasil Arquitetura refém de uma visão ultra-regionalista por eles mesmos alimentada, a celebração do lugar, da cultura e dos costumes deveria ser trazida à luz do debate por eles. Me parece um discurso tão frágil e uma resposta tão propagandista de um Brasil multifacetado que na minha opinião seus projetos ganham tons de uma caricatura de si mesmos. A idéia de absorver valores locais e impor a sua leitura de valores externos aos seus transforma-se em uma armadilha que termina por esvaziar o projeto. Acho muito mais interessante e verdadeiro o olhar assumidamente estrangeiro e opositor de projetos que dialogam pela diferença do que a tentativa de contaminação do objeto moderno com penduricários locais.

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  2. Diego, discordamos e concordamos.
    Discordamos que o Brasil Arquitetura tenha uma postura projetiva baseada em absorver valores locais e impor uma leitura. Acreditamos que TODOS os arquitetos tenham essa postura. Afinal, mesmo em uma única cidade, existe o caráter multifacetado. Não é o Brasil que é multifacetado, é o mundo. E isso não é de forma alguma algo ruim.
    O arquiteto vai sempre impor sua leitura a determinada situação. O que vai resultar num bom projeto é a maneira com que ele lida com essas características.
    Concordamos que o olhar assumidamente estrangeiro, em diversos casos, acaba por gerar arquitetura mais rica no que diz respeito a gerar discussão. O "encômodo" acaba por gerar vivência, e os cidadãos voltam a discutir arquitetura. Basta ver o recente caso do Museu dos Coches do Paulo Mendes em Portugal. Os fóruns tugas estão pegando fogo com discussões. Sem querer, eles acabam discutindo as cidades, e um diálogo rico é criado.

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