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Ultraecletismo nas grandes cidades: A dificuldade em absorver o Novo [parte 3]


         A questão do falso histórico (quando surge dúvida quanto à idade ou período a que certa arquitetura pertence) também se entrelaça com a arquitetura contemporânea de nossas cidades. Não apenas surgem dúvidas quanto à aparência de edifícios históricos conservarem suas características originais, mas essa arquitetura se confunde com o Ultraecletismo* vigente.
         Basta uma caminhada nos bairros residências para surgirem perguntas: será que essa casa é antiga ou nova?


         A arquitetura tornou-se irrelevante nessa análise. O método projetual de trabalhar com estilos, montando verdadeiros quebra-cabeças arquitetônicos, acaba por enganar até o mais perspicaz observador.


         A foto acima é um excelente exemplo dessa falsa noção histórica do lugar.
         Alguém que nunca antes passou por essa rua, poderia imaginar que esse bar é uma intervenção em um antigo edifício, que o prédio de cor negra é novo (a intervenção em si) e que a fachada voltada para a rua é apenas a casca de um edifício antigo (possivelmente o prédio antes ali existente). Ora, essa postura de conservar um pedaço do antigo em relação ao novo é muito utilizado na solução programática de projetos contemporâneos (vide o que Herzog & De Meuron fazem no Caixa Forum de Madrid ou no Tate Modern de Londres, por exemplo).
         Mas será que é mesmo assim? Vamos obervar a foto abaixo, tirada exatamente no mesmo local há três anos atrás.


         Embora a posição da foto esteja um pouco alterada, basta analisar os coqueiros e sinalização de trânsito para concluir que trata-se do mesmo local. Esse edifício, que também ilustra a primeira postagem dessa série, tem alguma relação com a "casca" da imagem anterior?


         O edifício inteiro é novo. A fachada "antiga", é nova. O curioso, é que mesmo o edifício anterior possuía elementos novos e antigos. Esse é um perfeito exemplo de Ultraecletismo, que transforma todos os elementos arquitetônicos em estilos. Mesmo o Moderno, representado pelo volume negro, é um estilo aqui.

Edifício residencial em São Paulo. Projeto de Daniel Libeskind.

Projeto do Shopping Cidade Jardim, também em São Paulo.

         Nesse sentido, o que diferencia os dois projetos ilustrados nas duas imagens acima? Pode parecer loucura num primeiro momento, mas ambos compartilham similaridades.
         Será que somente por que Daniel Libeskind, pritzker de Arquitetura etc e tal, projetou tal torre de vidro, ela não pode ser comparada a similar lançamento do mercado imobiliário?
         Libeskind jamais projetaria um edifíco em estilo francês. Mas Libeskind projeta sim, no estilo Libeskind.
         "Ah, mas é comum arquitetos se utilizaram de uma linguagem arquitetônica, olhe as estruturas metálicas treliçadas do OMA dos últimos anos", alguém pode pensar. E realmente, essa é mesmo uma prática comum. Mas será que trabalhar com uma linguagem, é o mesmo que trabalhar com estilos?


         A imagem acima, retirada do web site UOL, no dia 22 de Maio desse ano, mostra a abordagem utilizada pela mídia. É importante reparar no título da reportagem, que refere-se aos novos empreendimentos da Incorporadora Idea!Zarvos como "estilo contemporâneo".

Edifício de apartamentos na Rua Fidalga, Vila Madalena (2008-2011). Projeto do escritório Andrade Morettin.

         E se compararmos o edifício de Daniel Libeskind com esse de Andrade Morettin? Há diferenças?
         A resposta é sim.
         Vinicius Andrade, Marcelo Morettin e a equipe do escritório, sabem que a materialidade de um edifício, sua forma e maneira com que se relaciona com a cidade, é fruto da solução programática, pensada de maneira a aproveitar da melhor forma o pequeno terreno na Rua Fidalga. Eles sabem, assim como Rem Koolhaas e seu OMA sabem, que o fator determinante de uma boa arquitetura não é apenas a beleza (essa, uma idéia subjetiva e rodeada por contradições), que a arquitetura exterior é a interface entre público e privado, cujas noções são extremamente distorcidas em nossa sociedade.
         Não é a toa que em sua última passagem pelo Brasil (na palestra no SESC Pompéia), Koolhaas tenha citado Libeskind (mesmo que apenas em uma imagem de seus slides) como exemplo da preocupante direção que nossa profissão está tomando.


         Ao observar o horizonte de nossas grandes cidades, o que vemos?
         Qual é a real porcentagem de arquitetura construída em nossas cidades que tem todas essas questões pensadas?
         A cidade é construída pelo mercado imobiliário. Arquitetos não tem voz ativa nas decisões.
         Edifícios vem e vão, duram alguns anos, podem ser derrubados e até clonados.
         Aquilo que fica, e ainda continua mesmo depois de séculos, é o desenho urbano. Mais grave que a arquitetura de baixa qualidade, é a completa falta de um desenho urbano capaz de solucionar os problemas das grandes cidades.

         Por essas razão é tão importante que um edifício seja pensado de maneira a solucionar, não somente suas próprias necessidades, mas as necessidades de seu entorno próximo.
        Pequenas gentilezas urbanas, como ruas largas, passeios acessíveis, ventilação e arborização contribuem para um desenho urbano melhor. Como diz Angelo Bucci, essa postura ajuda a trazer o sentido de volta aos lugares.
         Se tem algo que a Arquitetura pode conseguir, é construir e refazer os laços com o lugar, mesmo que seja uma flor que fura o asfalto. Afinal, existem questões mais importantes que estilos.



Veja as outras duas postagens dessa série em:

*ROZESTRATEN, Artur Simões. Ultraecletismo?. Arquitextos, São Paulo, 10.114, Vitruvius, nov 2009 http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.114/16.

Imagens:
> Imagem título: montagem utilizando imagens.
- Casa: foto dos autores
- Inspiração para esquema daqui.
-Idéia da temática: Flavio Cesar Mirabelli Marchesoni
> Demais fotos dos autores.

Para saber mais sobre os empreendimentos da Idea!Zarvos:

Comentários

  1. Demais Gente! Parabens denovo!!Faltava muito um espaço pra esse tipo de discução aki na NEt! :)

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